quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Um Menino nos Nasceu (sermão de Natal de Martinho Lutero, CONFIRA)

Um Menino nos Nasceu (sermão de Natal de Martinho Lutero, CONFIRA)

Sermão pregado em 26 de dezembro de 1531
Pelo Reformador

Martinho Lutero

 
O povo que andava em trevas viu uma grande luz; os que moravam na terra da sombra da morte, a luz resplandeceu sobre eles. Multiplicaste os povos e aumentaste a alegria. Alegrar-se-ão diante de ti como se alegram na ceifa, como se gozam quando repartem os despojos. Porque tu quebraste seu pesado jugo, e a vara de seu ombro, e o cetro de seu opressor, como no dia de Midiã. Porque todo calçado que leva o guerreiro no tumulto da batalha, e todo manto revolvido em sangue, serão queimados, pasto do fogo. Porque um menino nos nasceu, um filho nos é dado, o principado está sobre o seu ombro; e se chamará seu nome Admirável, Conselheiro, Deus forte, Pai forte, Príncipe da paz. (Isaías 9:2-6)

Introdução: Os pastores de Belém: exemplos de uma fé incondicional, e exemplos de como Deus escolhe os humildes para envergonhar os grandes.

Contam-se maravilhas sobre o silêncio que os turcos guardam em seus templos. No evangelho que se lê no dia de hoje aparece o bonito exemplo da fé dos santos pastores, que depois de ouvirem a pregação dos anjos, imediatamente se puseram a caminho para ver o quanto antes o que havia sucedido, e o que o Senhor lhes havia manifestado (Lucas 2:15). São, em especial, dois fatores que fazem com que essa fé seja tão exemplar. Em primeiro lugar, os pastores não se escandalizaram pelo aspecto extremamente humilde da criança. E em segundo lugar, não temem aos notáveis de Jerusalém e de Belém, que muito facilmente poderiam acusá-los de insidiosos porque queriam proclamar rei ao filho de um mendigo. Tanto o primeiro fator como o segundo são exemplos eloquentes de uma grande fé. Sem mais nem menos os pastores vão a Belém e encontram uma criancinha deitada em uma manjedoura. Quão pouco concordava este quadro com a imagem de um rei que, por acréscimo, havia de ser Redentor do mundo inteiro! Contudo os pastores não se sentem defraudados na menor coisa.

Nós pensamos de maneira distinta: ainda que nos falem nos termos mais sublimes sobre a fé e a vida eterna, apreciamos cem vezes mais os bens desta terra. Se nossa fé fosse realmente sincera nestas palavras: Cristo nasceu em Belém como Salvador nosso, e logo padeceu e morreu para nos redimir do pecado e da morte, então nosso ânimo seria outro, em nosso coração não haveria tanta sede de riquezas, não nos fatigaríamos tanto para possuir um palácio e outras coisas que o mundo estima de alto valor, senão teríamos tudo como lixo, e como objetos que fazemos uso para manutenção de nossa vida terrena. Porém o fato de que ainda permanecemos em nosso estado anterior de apego às coisas deste mundo, é sinal de que aquele nascimento não nos importa, e que das palavras do anjo nós tenhamos retido nada mais do que o som. Os pastores, ao contrário, retém as mesmas palavras, e com tal firmeza que vêem naquela criancinha a seu Rei e Salvador, e difundem por todas partes o que lhes havia sido dito sobre a criança. Onde está, naquele estábulo de Belém, o que comumente distingue a um rei: o valente cavalo, o séquito de nobres cavalheiros? Não obstante, contra o que lhes dizem seus cinco sentidos, os pastores concluem: Este é o Rei, o Salvador, o grande gozo para todo o povo. Assim, no coração dos pastores pareceu pequeno, e nada foi grande senão apenas aquelas palavras do anjo. Tão grandes foram que a parte delas, os pastores não viram mais nada. Encheram-se delas e ficaram como embriagados, de modo que se puseram a anunciá-las em alta voz, sem perguntar o que diriam os grandes senhores em Jerusalém que mandavam no templo e no sinédrio. Ao contrário: sem o menor sinal de medo diante das autoridades pregaram a Cristo mendigo. Na verdade palavras de verdadeiros revoltosos e hereges! Dizer que haviam visto a um anjo, e que este anjo lhes havia anunciado o nascimento de um Rei e Salvador em Belém! Se isso chegava aos ouvidos dos principais dos sacerdotes não os repreenderiam dizendo: “Vós, ignorantes pastores, não nos façais crer que em um presépio em Belém jaz um novo governante. O governo tanto espiritual como civil está aqui em Jerusalém! Vós quereis persuadir o povo de haver tido uma visão? Na verdade será que haveis sonhado?” E não teriam que dizer a si mesmos os pastores: “Merecemos ser crucificados ou ser postos no madeiro por havermos sublevado contra as autoridades espirituais e civis?” Creio, porém que quando a notícia do ocorrido chegou aos chefes dos sacerdotes, estes responderam: “Já estamos acostumados com a estupidez da gente ignorante; era Satanás que estava no campo de Belém”, ignorando assim, para seu próprio prejuízo, a mensagem angelical.E ainda outros terão dito talvez: “ Se realmente aconteceu um fato dessa natureza, dariam a notícia a nós e não a uns pastores desconhecidos.” Também em nossos dias há pessoas que dizem: “ Se essa nova doutrina que agora se prega fosse realmente o evangelho verdadeiro, Deus o faria ser pregado pelos chefes mesmos da igreja, não por monges e sacerdotes fugitivos de algum convento.” Porém não te parece que Deus possa deixar plantados a Caifás e Anás e a todos os respeitados sacerdotes e dar a uns humildes pastores a missão de pregar o nascimento do Rei e Salvador? Oxalá também nós seguíssemos esse exemplo dos pastores e tivéssemos por grande e importante só a palavra da fé, fazendo ouvidos surdos a todas as outras coisas! Por exemplo, quando nos dessem a absolvição, ou a santa ceia, ou quando nos pregassem um sermão, tivéssemos por lixo todo o mais e nos apegássemos a palavra só.Porém por desgraça, nossa carne,Satanás e o mundo fazem com que não desprezemos o mundanismo como deveríamos fazer,e assim nos impedem de apreciar a palavra em todo o seu valor.

Por hoje não quero explicar mais sobre esse evangelho; voltemos agora as palavras de Isaías.

1. A diferença entre o reino espiritual de Cristo e os reinos deste mundo.
O profeta nos diz: “Um menino nos nasceu, um filho nos é dado.” Já ouvistes o que significam essas palavras. Esse capítulo é na verdade um capítulo de inestimável valor, em que Isaías nos descreve com palavras sumamente belas e acertadas que classe de criança é Cristo. É a criança que nos leva sobre seus ombros a ti e a mim com todos os nossos pecados, misérias e dores. E isto fez não somente quando viveu na terra, senão que segue fazendo até o dia de hoje por meio da palavra do evangelho. Com o que Isaías nos disse sobre o menino Jesus, nos ensina ao mesmo tempo a discernir corretamente entre o reino espiritual e corporal. O reino corporal é aquele em que somos os súditos, os que têm que levar o rei a soberano, por que o mundo precisa de quem o aperte e o obrigue. O reino espiritual ao contrário é aquele em que o rei mesmo nos leva. Há, pois, uma grandíssima diferença entre esses dois reinos: no reino corporal, muitos milhares de homens levam uma só cabeça, um soberano; mas no reino espiritual, uma só cabeça, Cristo, leva um número incontável de homens. Certamente, ele leva os pecados do mundo inteiro, como disse Isaías (53:6): “O Senhor carregou nele o pecado de todos nós”; e o mesmo afirma São João Batista (João 1:29): “Eis aqui o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” Lá na cruz ele levou nossos pecados, leva-os ainda hoje mediante seu Espírito de bondade, e nos faz pregar que ele é o Rei da misericórdia. Isso é uma parte da profecia.

2. A assombrosa imagem da igreja: desprezível diante do mundo, santa diante de Deus por Cristo.
Seguem agora os homens: “Admirável, Conselheiro, Deus forte. Pai eterno. Príncipe da Paz.” Com esses nomes, o profeta descreve em detalhe a índole do reino em si. Até agora havia retratado a pessoa do soberano como um rei que leva o reino sobre seus ombros. Aqueles nomes nos ensinam como está formada e que sinais particulares tem a igreja cristã. Se queres retratá-la, retrata-a como igreja que tem que ser levada e como igreja que é levada por Cristo. Esse levar, porém, por parte de Cristo, e esse “ser levado” por parte da igreja, fazem que o nome e o ofício de Cristo sejam o de Admirável, Conselheiro.

“Admirável, Conselheiro” se chama também pela obra que ele leva a cabo em sua santa igreja cristã, a qual Ele governa de tal maneira que nenhuma razão humana pode compreender ou notar que essa igreja é verdadeiramente a igreja cristã. Não estabelece para ela residência oficial, não lhe fixa modos de proceder nem ritos, não lhe outorga traços distintivos externos alguns que permitam determinar com precisão onde está a igreja, quão grande ou quão pequena é. Se quiseres achá-la, não a encontrarás em nenhum outro lugar senão sobre os ombros de Cristo. Se queres imaginá-la, tens que fechar e prescindir de todos os demais sentidos e atender exclusivamente a descrição que te dá aqui o profeta. A igreja é, na verdade, um reino admirável, um reino que causa assombro, ou seja, um povo desprezível diante dos olhos do mundo, do diabo, e diante de si mesmo, um “opróbrio dos homens e desprezado do povo”, como diz o Salmo 22:6, uma “pedra rejeitada pelos edificadores”, como diz Mateus 21:42, porque tem um aspecto como se fosse não a esposa do Rei celestial senão do diabo. A verdadeira igreja cristã é na opinião do mundo um conjunto de hereges. Esse é o nome que a define. O inverso, os que são seguidores do diabo, esses levam o nome de “igreja”. Assim como os turcos consideram os cristãos como gente extremante insensata e diabos em pessoa, assim também os judeus e os papistas de hoje em dia não têm mais que burlas para os que constituem a igreja de Cristo. Tal é assim que a igreja não tem o aspecto, nome, imagem e semelhança de ser a igreja de Deus, senão do diabo.

Agora bem: se esse aspecto tivesse a igreja apenas diante do mundo e do diabo, seria ainda tolerável, mas o que é verdadeiramente grave é que esse mesmo aspecto nós temos diante dos nossos próprios olhos. Essa é uma arte que o diabo domina com perfeição: o apartar nossos olhos totalmente do batismo, do sacramento e da palavra de Cristo, de modo que um tortura a si mesmo com o pensamento que expressara Davi (no Salmo 31:22): “Dizia eu em minha pressa: Cortado sou diante de teus olhos”. Este é nosso distintivo: que a igreja cristã deve ter aos seus próprios olhos – e eu diante de mim mesmo – uma aparência como se Cristo nunca nos houvesse conhecido como seus. Devo saber que essa é a santa igreja cristã, e que eu sou um cristão, e sem duvidas, devo ver ao mesmo tempo que tanto a igreja como eu estamos cobertos por uma grossa capa de opróbrio do mundo que nos apelida de heréticos. Mais ainda: devo ouvir o que meu próprio coração me diz: Tu és um pecador. Estas grossas capas, o pecado, o diabo e o mundo cobrem de tal maneira a igreja e o cristão, que já não fica nada visível deles; o único que se vê é pecado e morte, o único que se ouve são as blasfêmias do mundo e do diabo. O mundo inteiro e quantos nele se orgulham de sábios, se põem contra mim, minha própria razão rompe as relações comigo; e não obstante, devo manter com todo firmeza: eu sou cristão, e com tal, justo e santo.

Portanto, a santidade da igreja e a minha santidade provém da fé. Embasam-se não em algo dentro de nós mesmos, senão exclusivamente em Cristo. Diga a igreja: “Eu sei que sou pecadora”, e confie-se jazer por inteira no cárcere do pecado e no perigo de morte. “Em mim não há mais que iniquidade, em Cristo não há mais que justiça; e se eu creio em Cristo, Sua justiça chega a ser minha justiça”. Isso excede toda razão e sabedoria humanas. Parece ser algo totalmente inaceitável. Pois todos os entendidos dizem: a justiça é certa qualidade ou santa maneira de ser no homem mesmo. Assim como a cor branca e negra estão na parede mesma ou no pano mesmo, assim a santidade deve estar na alma mesma do homem justo. Mas então vem meu próprio coração e me diz:eu não sou assim, não sou um santo. E o mesmo me diz Satanás e o mundo. Se tenho contra mim as declarações do mundo, de Satanás e do meu próprio coração, que posso dizer? Precisamente o que diz nosso texto: que Cristo é o Admirável Conselheiro. Ele governa a sua igreja e a seus cristãos de forma admirável de modo que somos justos, sábio, limpos, fortes, cheios de vida, filhos de Deus, ainda que diante do mundo e diante seus próprios olhos pareçam todo o contrário. A que devo me ater porém para vencer a fé aparente? Ao mesmo a que se ativeram os pastores : a Palavra.

O mesmo Cristo procede de forma sumamente estranha ao que sua própria pessoa se refere; quer se fazer nosso Rei, e se deita num presépio e nasce de uma pobre virgem que apenas tem com que lhe envolver. Deveria ter por mãe a uma rainha, e por berço um deslumbrante palácio- sem dúvida vive como um mendigo. Não é, na verdade, assombroso no seu aspecto pessoal? Por isso precisamos aprender abrir os olhos, como os pastores, e julgar não segundo a aparência exterior, senão segundo as palavras que foram ditas sobre essa criancinha. Devo dizer, pois: Considero santos a todos os crentes, e me considero um verdadeiro santo a mim mesmo, não por minha própria conduta irrepreensível, senão por causa do batismo, do sacramento da santa ceia, da palavra de Deus, e de meu Senhor Jesus Cristo em quem eu creio. Então terás achado a definição correta. Se observo a mim mesmo, sem batismo, santa ceia e a palavra, não vejo mais que pecado e injustiça, o diabo em pessoa que me atormenta sem cessar. E se os observo a todos vós desprovidos da santa ceia, do batismo e da palavra divina, não vejo em vós santidade alguma. Ainda que estais sentados no templo ouvindo a palavra de Deus e orando, não vos fica nada de santidade se descontamos a palavra e os sacramentos.

3. Os sinais distintivos da verdadeira igreja de Cristo
A aparência exterior não é, pois, o decisivo; decisivo é isto: olha se estás batizado, se ouves com agrado a pregação da palavra de Deus, se sentes o sincero desejo de receber a santa ceia. Estes são os sinais que Deus te dá, a isso deves dirigir teu olhar; assim poderás dizer: vejo em mim claros sinais de que pertenço a igreja Cristã. O aspecto exterior, em efeito, não basta para te converter num crente de verdade. Entretanto, onde se prega o evangelho sem falsos agregados humanos, onde se administram os sacramentos na forma devida e onde cada qual desempenha fielmente as tarefas próprias de seu ofício ou profissão, ali encontrarás com absoluta certeza o povo de Deus. Portanto, não te guies pela cor que as coisas têm por fora, senão pela palavra divina. Se te guias pela aparência exterior, e não pela palavra, pronto cairás no erro. Por que razão? Pela razão de que exteriormente não acharás num cristão nada que o distinga de outro homem. Mais ainda: há incrédulos e pagãos que se comportam mais decorosamente e que apresentam um aspecto mais honrável que muitos cristãos. Ah, a aparência exterior! Aí tem sua origem os ímpios e insensatos monges e freiras que queriam criar à igreja cristã uma imagem orientada no que exteriormente impressiona a vista. Daí também vem suas cogulas[1] e tonsuras[2]. “Aqui, no estado monástico, estão os homens santos” diziam. “Vós que viveis no mundo vos entregais a vãos afazeres e práticas puramente corporais.” Coisa diabólica é que a máscara que põe certa gente possa causar tanta impressão no mundo.

Eu sei que entre todos vós há apenas dez que não se deixariam impressionar por mim se eu quisesse fazer gala daquela santidade que pratiquei nos meus anos de monge. Evidentemente, o batismo e a santa ceia atraem os olhares muito menos que o hábito e a austeridade de um franciscano. Este sim tem que jejuar, aquele ao contrário é um simples costureiro. Por isso é preciso que aprendas a conhecer o que é e como é na realidade a igreja cristã, e que não te deixes enganar pelas aparências. Uma mulher que faz o que Deus lhe manda, que está batizada, que ouve o evangelho e o guarda qual luz em seu coração, que tem seu marido, que dá a luz filhos, que cumpre com suas tarefas como boa esposa e mãe, essa mulher é uma santa, ainda que aos olhos das pessoas não pareça. Pois o batismo que recebeu e a fé que tem em seu coração, são coisas que meus olhos não vêem; vejo, ao contrário, que ela anda pela casa, ocupada no cuidado de seus filhos, e em mil outros afazeres domésticos. Por isso parece que não há nada de particular naquela mulher. Todavia, se permanece no evangelho e no trabalho que Deus lhe encomendou, é um membro genuíno da igreja cristã, não por sua probidade, senão por estar batizada, por ter em seu coração o evangelho, por ser morada de Cristo. Quem porém tem em conta que essa mulher é uma cristã e uma santa? Entretanto vem uma beguina[3] com sua cara de vinagre. O que ocorre? A esta a consideram uma santa, a cujo lado a mulher com marido e filhos e o muito trabalho não são nada! Assim é como se nosso Senhor convertesse o mundo em um montão de tontos, incapazes de reconhecer a um cristão. “Igreja cristã”- esses são os receberam o batismo, que têm um coração cheio de fé, e que levam a vida como homem comum. Nesse sentido deves considerar a igreja, e por esses sinais conhecê-la. O mundo ao contrário não a julga dessa maneira, e por isso erra em seu juízo. O mundo perguntará, por exemplo: Acaso não há também entre os gentios matronas tão respeitáveis como as que há entre os cristãos? E o que dizer dos tempos de tribulação? Ah, quantos padecimentos! Ah, a quantas perseguições está exposto um cristão batizado e que confessa sua fé no Senhor! Não parece senão que Deus lhe houvesse abandonado por completo, e assim o sente às vezes no seu coração.

4. A igreja, desprezada, se consola com a palavra e os sacramentos.
Desse modo, nosso Deus e Senhor faz que todos os sábios cheguem a ser néscios, permitindo que a imagem verdadeira de Sua igreja quase desapareça sob um cúmulo de escândalos. Não obstante, aquele que é membro dessa igreja pensa: “apesar de o mundo me desprezar e me perseguir, todavia creio em Cristo, estou batizado e tenho o evangelho; e a esse evangelho, esse batismo e a esse Cristo lhes ponho em meu coração um valor tão alto que ao seu lado o mundo inteiro não me parece valer mais que uma farpa”.

E isto é bem certo: o evangelho de Cristo que o crente tem em seu coração possui diante de Deus um poder justificador tão grande que, ainda que o mundo inteiro estivesse repleto de pecados, todos eles seriam nada mais que uma gota de água em comparação com a imensidão do mar. Não é pouca coisa se fixar na palavra de Deus e se ater a ela. Tão grande coisa é, que aquele que o fizer, tudo o que lhe encerre parecerá como uma partícula de poeira. Assim, pois, a igreja cristã é santa, apesar do mau aspecto que tem aos olhos do mundo, e apesar de estar coberta de tribulações e escândalos. E ninguém pode captar inteiramente a santidade e justiça da igreja, nem ainda o que tem fé, e muito menos se pode sondar com a perfeita razão humana. Quem quiser conhecer realmente a igreja cristã e a seus membros, tem que tomar como elementos de juízo a palavra do evangelho, os sacramentos, a fé e os frutos da fé e do evangelho. E tu mesmo, para comprovar se és santo e cristão, considera se tens o batismo e o evangelho, se ouves e crês na palavra de Cristo. Se, logo, manténs puro teu matrimônio, se honras a teu pai e a tua mãe, etc., o que seja, se obedeces gostosamente ao Senhor, e evitas gostosamente o que é contrário a sua vontade: esse são então os frutos da tua fé.

Mas se alguma vez dás um tropeço, isso não te infligirá um dano irreparável. Pensa em teu batismo, refugia-te no evangelho que te oferece perdão e absolvição, diz a ti mesmo: “Se me ocorrem maus pensamentos, caí em pecado. Porém fui batizado, tenho a palavra de Deus com sua promessa de remissão: isso é para mim uma santidade maior que o mundo inteiro com tudo o que nele há. Cristo é meu mediador cheio de misericórdia, tão misericordioso que a fúria de todos os diabos que pudessem me aterrorizar não é mais que um leve lampejo comparado com o fogo de Seu amor, nada mais que uma gota de água comparada com o mar de suas compaixões. Ele está ao meu lado e me ajuda.” Assim devemos e podemos nos consolar pensando nesse imenso tesouro que possuímos na palavra e nos sacramentos.

5. Conclusão: Cristo é na verdade o Admirável Conselheiro
Tudo isso nos ensina por que Cristo é chamado “Admirável, Conselheiro”: Ele tira de nossa vista e de nosso pensamento toda a santidade e sabedoria próprias. Toda a santidade, toda a sabedoria que a igreja cristã possui se embasa na palavra e nos sacramentos. Se quiseres julgar a igreja segundo seu aspecto exterior, chegarás a um resultado inteiramente falso, pois verás os cristãos como gente assustada, cheia de pecados e imperfeições. Mas se consideras os cristãos como gente que foi batizada, que crê em Cristo e que demonstra sua fé produzindo frutos de amor a Deus e ao próximo e levando com paciência sua cruz, então teu juízo será correto. Pois esse é o distintivo em que se há de conhecer a igreja de Cristo. Nós ao contrário, os que somos membro da igreja, devemos ter o batismo e a palavra em alta estima ao ponto que todos os bens e tesouros do mundo nos pareçam nada comparados com eles. Fazendo isso reconhecemos corretamente a igreja cristã e podemos consolar a nos mesmos dizendo: “Em minha própria pessoa sou um pecador, mas em Cristo, no batismo, na palavra, sou santo.”

Atenhamos, portanto, para estes nomes: “Admirável, Conselheiro.” Então podemos enfrentar os falsos mestres que virão. Pois não cabe dúvida de que depois dos monges de antigamente com sua falsa imagem da igreja de Cristo, virão outros, não menos perniciosos. O mundo não pode ir contra o seu costume: insistirá em querer retratar a igreja cristã segundo sua aparência exterior. Todavia, o único retrato fiel da igreja é o que acabo de pintar-lhes: o retrato em que se destacam o evangelho, os sacramentos, a fé e os frutos da fé. O batismo é a luminosa cor branca, a palavra e a fé são a gloriosa cor azul do céu e os frutos do evangelho e da fé são as diversas outras cores que distinguem os cristãos, cada qual em seu estado e profissão.


FONTE

Projeto Spurgeon – Proclamando a Cristo crucificado.


Projeto Ryle – Anunciando a verdade Evangélica.

0 comentários:

Postar um comentário

^
Fé Para Viver © 2011 | Layout por Kakau com Limão.